“Demorei para descobrir que tenho uma má-formação das trompas. Sempre quis ter dois filhos, mas comecei a acreditar que, se conseguisse um, já seria o suficiente”.

Sou de uma família do interior de São Paulo, então fui criada para casar e ter filhos. Ainda que minha família não seja tão conservadora a ponto de achar que mulher tem que ficar cuidando da casa, fui condicionada a isso. Vim para São Paulo e fiz faculdade. Quando casei, já tinha 30 anos e trabalhava em uma empresa que eu adorava. Adiei por cerca de três anos a realização do sonho da maternidade porque queria estar em uma posição profissional melhor.

Hoje vejo que foi uma besteira ter esperado tanto. Às vezes as coisas vão dando errado e a gente só está perdendo tempo. Não consegui engravidar pelos métodos naturais. Ao mesmo tempo, ficava apreensiva porque eu tinha muitas crises de enxaqueca e fazia tratamentos com medicações muito fortes. A verdade é que as crises são causadas por estresse: se eu sinto muito frio ou durmo muito (ou pouco)… tudo vira um gatilho. E a ansiedade de não engravidar piorava tudo. Passei quatro anos tentando. Não fiz simpatia, nem tratamento alternativo. Eu não acredito nisso. A única coisa que eu fazia de diferente era o exame de ovulação que comprava na farmácia.

Só fui procurar uma ajuda especializada aos 36 anos. Fiz alguns exames, não deu nada. Meu marido também fez espermograma e não tinha nada. Aí, nessa clínica de fertilização descobriram um mioma que eu tinha no útero e, pouco depois, acabei operando. O médico falou que dali a seis meses eu já poderia engravidar. Fiquei muito confiante, mas ao mesmo tempo achei muito superficial o tratamento que ele me dispensou. Até que perguntei: ‘mas eu não preciso tomar vitaminas, nem ácido fólico?’. E ele respondeu: ‘ah, pode tomar ácido fólico’. Nunca mais voltei lá.

A essa altura, minha ansiedade cresceu a níveis absurdos. Eu sempre quis ter dois filhos, mas comecei a me convencer de que, se eu conseguisse um, já seria o suficiente. Passaram-se os seis meses e nada de eu engravidar. Aí, fui a outra clínica de fertilização, onde pediram vários outros exames. Descobri que tenho má-formação das trompas .

Eu não sei te falar se as coisas acontecem no tempo certo ou não, mas até então eu nunca tinha feito um exame chamado histerossalpingografia. Foi horrível, doeu muito, mas foi nesse exame que eu tive o diagnóstico de má-formação das trompas: elas são abertas. O médico me orientou a fazer fertilização in vitro (FIV) ao invés de inseminação artificial, como eu imaginava.

Lembro que a dor psicológica era maior que a física: a espera, a angústia, os dias em que precisava que colocar um hormônio intravaginal que me fazia vomitar… Mas não dura nem um ciclo: passa muito rápido. O que demora mesmo é a espera pelo resultado. Que foi negativo. Eu me senti péssima porque parei de trabalhar e praticamente pausei minha vida. Fiz isso porque sabia que ia precisar de repouso, que é recomendado para a minha idade: eu tenho 38 anos. O que tornou essa FIV mais difícil foi que precisei interromper meu tratamento para a enxaqueca, que era à base de um medicamento antidepressivo. Para suportar a dor, decidi fazer uma intervenção com botox na cabeça. Ou seja, aconteceu tudo junto: eu passei muito mal e cheguei a ser internada no hospital.

A segunda FIV também foi complicada: eu queria ‘matar’ as pessoas, os hormônios me enlouqueceram. Agora estou fazendo um tratamento contra ansiedade e depressão porque tudo isso mexeu muito comigo. Depois dessa segunda fertilização, fiz alguns exames para tentar entender se eu e meu marido tínhamos alguma síndrome que nos impedisse de engravidar. Não havia nada. E o médico disse com todas as letras: ‘eu não sei por que você ainda não engravidou. Pode ser ansiedade ou tristeza…’.

Tristeza eu comecei a sentir nas festinhas de família quando me diziam: ‘só você que não tem filhos. Você não quer? Está faltando um netinho para os seus pais…’. Até que meu irmão engravidou uma ex-namorada e minha mãe me ligou chorando, falando que queria um neto que fosse meu. Eu fiquei muito chateada, afinal, nem sei se vou poder ter filhos.

A partir do momento em que realmente descobri minha dificuldade, eu contei para todo mundo, mas as pessoas não entendem. E o que me deixa muito chateada é o pessoal falando: ‘quando você relaxar, você engravida’. Não, gente, eu NÃO engravido. Eu tenho um problema físico. Não é só emocional. Ou quando dizem: ‘virá no tempo de Deus’. Que tempo de Deus? Eu fui criada na Igreja Católica, mas estou em conflito com Deus. A gente lê tanta história de mulher com uma vida desestruturada, dependente química, cheia de filhos por aí… por que eu não engravido? Não entra na minha cabeça. Fora que todo mundo tem um palpite: ‘enquanto você não abrir mão de tal coisa, você não vai engravidar’. Eu sei que todo mundo quer ajudar, mas me irrita porque escuto isso todo santo dia.

Também tive muita dificuldade com meu marido. Ele não aceitava a situação e ficou extremamente aborrecido. Ele sofria mais que eu. Meu casamento ficou muito abalado: estávamos com os nervos à flor da pele. Sei que muita gente se separa nessa fase porque não consegue administrar tudo isso.

Se eu pudesse dar um conselho para quem quer ter filhos seria: não adie. Não espere a vida melhorar, o tempo passar, as coisas se acertarem. Tenha logo. O tempo passa rápido e nosso prazo de validade é curto. As coisas se ajeitam. Quanto mais cedo você descobre um possível diagnóstico de infertilidade, mais tempo você tem para resolver a situação. Eu acho que demorei muito, por exemplo, para descobrir a histerossalpingografia e a má-formação das trompas.

Outra coisa que eu recomendo: faça terapia. Eu comecei quando a primeira fertilização deu errado. É bom porque a gente consegue conversar com uma pessoa sem medir palavras. Eu tive um período muito grande de raiva: como parei de trabalhar, me sentia uma pessoa à toa que nem filho pode ter. Isso é muito frustrante. Sei que minha próxima FIV – que deve acontecer ainda esse ano – será a última. E depois disso vou seguir o baile.

Já estudei muito sobre adoção e ainda não decidi sobre isso. É tudo muito complicado. Eu estava conversando com uma pessoa que adotou depois de ter tido um filho naturalmente e ela me disse que deu certo porque já tinha desenvolvido a maternidade. Na nossa idade, talvez seja difícil pular a gravidez e pegar uma criança maiorzinha. Você vai ter que aprender a cuidar do zero. Ainda não sei como surge o instinto materno. Além disso, a espera para adotar uma criança pequena no Brasil é de mais ou menos quatro anos. É muita coisa. Daqui a quatro anos eu vou ter 42. Será que ainda vou ter essa paciência?”.

 

Ana Paula Honorato, 38 anos


5 thoughts on ““Demorei para descobrir que tenho uma má-formação das trompas. Sempre quis ter dois filhos, mas comecei a acreditar que, se conseguisse um, já seria o suficiente”.

  1. Priscila Responder

    Ana Paula, sei exatamente o que você sente, também sou uma tentante. Eh extremamente difícil entender um “não” desse tamanho, de uma coisa que eh tão simples e tão natural para a maioria das mulheres. A nossa reação eh negar, correr atrás de tudo, ficar quase obcecada, acho que todas passamos por isso. Eu até acho que há uma certa “manipulação” dos médicos quanto ao relógio biológico, pois ele acaba virando uma neurose de tanto que falam dele. Aí quando a gente se dá conta, está sem o filho tão desejado e destruída, física , emocional e piscicologicamente , tudo a nossa volta está meio caótico, até a nossa fé.
    Como eh difícil ter fé, quando vc está sofrendo e não vem ninguém te trazer alívio. Uma, duas, três vezes, como a gente se sente só, abandonada, sem ninguém pra contar. Acho que eh este o resumo da nossa relação de fé.
    Mas há uma mágica que faz a vidinha acontecer, seja lá o nome que ela tiver, feito em laboratório ou na barriga, essa mágica precisa acontecer.
    E existem mil conselhos, pessoas que não sabem o que falar e são tão indelicadas, insensíveis, até aproveitadores dessa situação de fragilidade, mas isso é para tudo, já ouviu gestantes reclamando disso? Que até histórias de aborto contam pra elas?
    O grande objetivo que temos que ter ao meu ver eh nos fortificar, entender o que está acontecendo de verdade dentro da gente, entender qual eh o preço que verdadeiramente podemos pagar, até onde nosso corpo consegue chegar, quanto nossa relação está perdendo com isso, o quanto perdemos de nós mesmas. Qual eh o nosso limite?!
    Não se perca de você mesma, se cuide, se ame, conecte se com vc, encontre suas paixões , exercite as, tenha momentos de prazer, de relaxamento, de lazer, de paz, de amor….. Aproveite a vida hoje. Eh só isso que temos garantido, a vida hoje, agora.
    Na minha última fiv que mandei três embriões para análise e os três tinham alteração cromossômica, nem dava pra colocar na barriga, recebi a notícia por telefone dá médica e senti uma facada no peito, chorei desesperadamente, quando estava exausta de chorar pensei, cara, eu não tinha nada e continuo não tendo, mas o que isso muda na minha vida? Eu sou feliz sem o meu bebê, e minha obrigação eh continuar sendo.
    Então acredite, a gente não controla nada, não sabe nada e a única coisa que temos eh o momento presente, então aproveite ele ao máximo, peça ao universo os seus desejos e espere, mas espere sem esquecer de ser feliz com o que vc tem! QQ coisa estamos aqui, somos muitas, vc não está sozinha!

  2. renata moraes Responder

    Só quem ja passou por isso consegue entender perfeitamente o que vc esta passando! Passei por todos esses estágios de dor, negação, conflito, depressão, piorados por 2 abortos. Mas eu venci e hoje tenho meu anjinho nos braços. O que eu quero dizer é pra não desistir, siga em frente, vc vai conseguir!!! Olhe meu relato aqui no site de alguns meses atrás. Foi um relato resumido, mas da pra ter uma noção de tudo o que passei e te digo que valeu a pena, faria tudo de novo pra estar vivendo esse momento que sempre sonhei!!! Torcendo por vc….

    1. Pri Portugal Responder

      <3 Renata, que lindo! Vou avisar a Ana do seu comentário. Beijinho

  3. Carla Responder

    Lendo esta história vejo o quanto hoje é negligenciada uma coisa mais comum antigamente que se chama “Exame pré-nupcial”. Se ao casar ou entrar num relacionamento sério soubéssemos de certas condições físicas, não deixaríamos ter filhos para depois e teríamos mais armas e tempo para lutar. Sei que mesmo lutando não chega para todas, mas vejo que na infertilidade, o tempo é crucial. Mas, graças a Deus, hoje há mais meios e conhecimento do que antes. Ainda é muito difícil e doloroso o processo, mas é bom pelo menos poder tentar, acho…

    1. Pri Portugal Responder

      Pois é, Carla, a dificuldade de ter um diagnóstico – e muitas vezes a demora – é um grande problema para quem tenta engravidar. A medicina especializada em fertilização é recente e há novas descobertas todos os anos. E você tem toda razão, quanto mais conhecimento temos, mais estamos empoderadas para pedir aos médicos exames que eles não haviam pedido, para informar aos médicos sobre probleminhas que não relacionávamos anteriormente com infertilidade e para trocar de médico se for o caso. Ninguém é dono da verdade e a gente precisa confiar mais na própria intuição. Só assim podemos passar pelo processo fazendo tudo o que está ao nosso alcance e esse fato, por si só, já traz um alívio ao coração. Bjinho, Pri Portugal

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