“Faz quase 11 anos que me casei e eu e meu marido já estávamos juntos há três. Nunca usamos qualquer método contraceptivo, então já no primeiro ano de casada, busquei um médico tradicional em Curitiba e ele foi bastante seco. Mesmo assim, resolvemos tentar o coito programado. Não gostamos da experiência: é forçado e sofrido! Mesmo assim persisti por um ano. E o pior é que não tínhamos nenhum diagnóstico até então.
Mudamos, então, de médico e fizemos todos os exames possíveis. Meu marido tinha baixa produção de espermatozoides e os que existiam, eram ‘defeituosos’. Eu também tinha um pouco de má circulação, o que descobri em um exame chamado anticardiolipina, mas não era nada de muito grave.
Passamos à próxima etapa e nos planejamos para a inseminação artificial, porque esse segundo médico achou que seria uma boa ideia. Não fiz estimulação hormonal, mas meu marido tomou algumas vitaminas e… não deu certo. Em meio ao desespero, repeti o procedimento mais quatro vezes com o mesmo médico. Agora, tenho certeza de que fomos muito lesados e de que se continuássemos lá não teria dado certo até hoje.
Mudei para o terceiro médico e, depois de repetir alguns exames, ele optou pela FIV. Tomei AAS para evitar trombose, que poderia dificultar a implantação. Estimulei minha ovulação por 10 dias, com doses baixas de medicamento e fomos acompanhando. Tive um hiperestímulo, ou seja, reagi exageradamente e produzi 20 óvulos. Já de primeira, implantamos dois embriões, mas não tivemos sucesso. Foi bem difícil. Tínhamos muitas expectativas porque até então éramos bem jovens: eu tinha 30 anos e meu marido, 44.
Congelei os demais óvulos e usamos os excedentes por mais três vezes. Em nenhuma delas os embriões tiveram qualidade. Mas eu não fui advertida de que o congelamento de óvulos é muito menos efetivo do que o de embriões ou espermatozoides: eles morrem ao descongelar ou então perdem a qualidade.
Procurei, então, o quarto médico. Assim que cheguei, me senti feliz! Ele esclareceu coisas que nenhum outro tinha esclarecido. E olha que eu já tinha tentado até em outras cidades. Assim, me submeti a mais sete dias de estimulante de ovulação. No dia de tomar o medicamento que faz os folículos romperem para a liberação dos óvulos, eu estava tão perturbada que esqueci. Quase perdi outros 20 lindos óvulos, mas Deus cuida dos irresponsáveis… eu tomei 24 horas depois e meu médico ficou superpreocupado. Mas deu tudo certo.
Fertilizamos e congelamos todos os 18 embriões que deram certo. Fiz a transferência para o meu útero um mês depois, porque o endométrio não se recupera a tempo quando a produção de óvulos é muito grande. Transferência feita e… dias depois passei a ter cólicas. Estava tão frustrada – porque tinha investido meus sonhos e economias nisso – que não queria ousar ser otimista. Eu me sentia muito sozinha, porque nessa época eu já não contava para mais ninguém dos procedimentos.
Estava tão esgotada desde aquele primeiro coito programado, anos atrás, que, depois que os embriões já estavam dentro de mim, parei de aplicar aqueles hormônios que ‘seguram’ a eventual gestação. Queria que meu corpo desse conta. Era uma medicação que engordava muito e me enchia de celulites e eu achava que era em vão. Só que tive um pequeno sangramento. Liguei para o médico para contar e levei bronca. Mas ele me sugeriu fazer o Beta Hcg antes do tempo.
Jamais vou esquecer esse dia: eu morri de alegria e medo! Já tinham sido dez anos de tratamento, todos muito sofridos. Sem contar os procedimentos que precisei fazer para viabilizar a transferência de embriões porque o meu canal até o útero era muito estreito e eu precisava alargar esse canal porque, quando a transferência é difícil, o útero tende a contrair e expulsar os embriões. Cada um dos procedimentos chegou a levar três horas. Mas deu positivo!
O que acho que me ajudou a me manter firme e forte foi que eu sabia que filho não era receita para ser feliz, então não descuidei de mim, não fiquei com ideia fixa e não perdi a esperança. Fazia um procedimento por ano e continuei trabalhando. Inclusive fiz mestrado e publiquei um livro sobre o assunto. O título dele é ‘Reprodução Humana Assistida – A tutela dos direitos fundamentais das mulheres’ . Eu apresento a Reprodução Humana Assistida em seus prós e contras, falo sobre o papel da mulher na sociedade, nosso direito ao corpo e nossa autonomia existencial. É um livro jurídico, mas que serve para todas as mulheres.
Resolvi escrever esse livro porque as técnicas de reprodução – do coito programado à FIV – podem proporcionar a realização de desejos voltados a dignidade de cada uma, mesmo as que não encontraram um parceiro. Assim como a pílula, essas técnicas nos dão mais poder de decidir o momento de ter filhos. Sou professora e advogada atuante em favor da condição feminina, das mulheres que querem muito ter filhos e daquelas que não querem. Esse deve ser um desejo genuíno da mulher, não do marido, não dos pais, dela apenas. Se for assim, um desejo livre e consciente, então valerá a pena cada choro, cada dor e cada frustração.
Hoje, tenho 14 embriões congelados e não sei se vou usá-los. Possivelmente doarei. Estou com 38 anos e meu marido, com 52. Já estamos correndo bastante para acompanhar a energia de uma criança, a nossa Martina. Não sei se terei disposição para um segundo filho, mas o futuro dirá”.
Ana Paula Pellegrinello, mãe da Martina, de 1 ano e meio
Lílian 27 de outubro de 2017
Ana Paulo, sua história me chamou atenção não só pela sua capacidade de resistir e continuar em busca do seu sonho, mas também pela resiliência anticardiolipina alterada. Tenho um filho de 7 anos, de uma gestação saudável e sem intercorrências. Mas já estou na 4ª perda na tentativa do meu segundo, tive 2 abortos retidos, 1 ectópica e uma anembrionária. Meu único exame que deu alterada na investigação da infertilidade após o segundo aborto foi o da anticardiolipina, mas depois dele não tive mais um gravidez sem problemas. Fiquei curiosa para saber se usaste heparina na tua gestação.
Janaina 20 de abril de 2018
Ana Paula com quem você fez o procedimento que deu certo?
Pri Portugal 20 de abril de 2018
Estou checando com ela, Jana, e já te digo. Bjinho