“Eu conheci meu marido em 2008. Em 2011 nos casamos e nos mudamos para o interior de São Paulo. A gente já tinha uma cachorrinha, a casa… só faltavam as crianças. Eu sempre quis ser mãe e passar meus aprendizados adiante. Sou filha única e não tinha nem a possibilidade de ser tia. Então, começou o processo que eu brinco ser de tortura humana.
Eu já desconfiava que tinha uns probleminhas de saúde desde as primeiras menstruações, em que eu sangrava cinco dias sem parar. Aos 20 anos comecei a tomar pílula e tudo ficou ainda mais desequilibrado. Eu tenho ovários policísticos, endometriose… já devo ter feito umas 10 microcirurgias para resolver esses probleminhas. Ainda em 2011 comecei as investigações. Descobrimos que os espermatozoides do meu marido eram lentos e poucos. Nós dois tínhamos problemas para ter filhos. Aí fiz um pacote de 3 FIVs: uma por ano.
A primeira FIV não deu certo e me derrubou, o casamento quase acabou e fiquei muito mal com os hormônios: parecia estar em uma TPM constante e meu psicológico estava abalado. Nem viajar a gente podia pela falta de grana. Nas outras duas FIVs, eu fazia Yoga, meditação e tratamentos alternativos, então foi um pouco mais fácil. Só que nenhuma fertilização deu certo.
Antes mesmo do primeiro tratamento, porém, decidimos entrar na fila da adoção. As entrevistas eram muito difíceis, foi um processo doloroso porque é claro que a prioridade é das crianças, mas ninguém contempla o lado dos pais. Os cursos obrigatórios de adoção não foram fáceis porque todo mundo tinha uma história de dificuldade e dor para contar e isso nos fez mal. Se eu quisesse me deprimir, ficaria em casa, né? Você já reparou que nas histórias de adoção ou o filho é muito difícil ou é um miniBuda? Uma criança iluminada? Nunca era uma criança normal e eu pensava: ‘não é possível que seja sempre assim’.
Nesses seis anos de espera, eu viajei para conhecer crianças em outros estados. Foi uma via crucis. Chegamos a conviver por dois fins de semana com dois menininhos, mas não deu certo. Foi a parte mais difícil. A gente saiu muito maltratado dessa história. Eu pensava: ‘eu preciso ser mãe e não consigo parir nem adotar nem nada’. Outra parte muito difícil dessa espera foi ver a expectativa dos meus pais, que não têm netos, né? Meu pai completa 80 esse ano, então o desgaste pra ele era enorme. Era muito doloroso ver tudo isso.
Na virada do ano de 2016 para 2017, a gente estava de moto na Castelo Branco, caiu uma chuva e a gente parou em um posto. Tocou meu telefone: ‘Malu, será que você pode vir ao fórum? É o seguinte: encontramos sua filha, só que temos um problema: são três crianças’. Na época elas estavam com idades de 3, 4 e 6 anos. Falei para o meu marido que devíamos conhecê-las sem compromisso.
Fomos ao fórum – que é a maternidade de quem adota – e chegaram os três foguetinhos correndo. Já vieram correndo abraçar a gente, pularam no nosso colo e meu marido – que também é filho adotivo – começou a chorar. Saímos de lá tremendo, com saudades e, na despedida, a Gabi já disse: ‘tchau, mamãe’. Soubemos que elas já tinham convivido com um casal e não tinha dado certo.
Passamos por todo o trâmite: as visitas, o amor crescendo… Elas vieram para nós no início do ano passado. Foi uma mudança louca: é como passar do deserto para uma floresta encharcada. De 0 para 3 filhos! Precisamos ver roupas, fazer matrícula na escola, lidar com as doenças de criança… foi tudo caótico nesse primeiro ano. A Gabi, que é a mais velha, me testava de todas as formas. Teve dias que achei que não fosse aguentar. Hoje em dia ela é minha cúmplice, mas é um processo difícil.
As crianças, sendo biológicas ou adotivas, vêm de algum plano astral que a gente não tem o menor controle. Os probleminhas que enfrentamos são iguais aos que pais biológicos enfrentam. E tem ainda a questão da família. Minha mãe tinha medo da adoção, por exemplo. Ela ouvia histórias e se preocupava. Mas quando as meninas chegaram, modificaram as pessoas ao nosso redor. Elas uniram a família e trouxeram renovação.
A maternidade requer coragem, porque você nunca sabe como vai ser. Vai ter seus problemas, seus dodóis, suas chatices… ela pode olhar pra você e dizer: ‘não quero mais ser sua filha’. Aí você olha pra ela e diz: ‘engole esse choro, menina!’ e resgata uma mãe anos 60 dentro de você (risos). Na hora que seus filhos chegam eles mudam tanto a sua vida que parece que sempre estiveram lá.
Hoje, vejo que eu faria tudo de novo, até mesmo as 3 FIVs. A gente tem que tentar tudo, afinal, dinheiro também é para essas coisas e me arrependeria se não tivesse tentado. Mas olha como é a vida: quando a gente entrou na fila de adoção, minha filhinha mais velha estava nascendo. No fim, eu fiz 3 FIVs que deram errado, mas tenho 3 filhas. A vida é muito zombeteira mesmo”.
Malu Abib, 44 anos, mãe da Gabriela, de 7 anos, da Rafaela, de 6 anos e da Emily, de 4 anos
Ju 5 de maio de 2018
Mês passado me decidi finalmente, abandonaria os planos de fazer FIV e partiria para adoção, e acho que adoraria que fossem irmãozinhos, lendo sua história me deu mais certeza ainda do que quero, adoraria se fossem meninas.
Pri Portugal 7 de maio de 2018
<3