“O sonho de ser mãe me acompanha desde sempre. Acompanhei a gestação das minhas tias, ainda criança, e adorava todo aquele clima. Sempre senti que aquele era o meu grande projeto de vida: ter um filho. Casei em 2003, mas como ainda estava pagando o financiamento do apartamento e estudando, adiei o sonho até 2008, quando parei de tomar o anticoncepcional. Engravidei no mês seguinte. Foi muita alegria, mas eu mal sabia que duraria muito pouco.
Estava na praia com meu marido quando senti um líquido saindo de mim. Inexperiente ainda, achei que fosse xixi. Mas era líquido amniótico. Eu estava com 16 semanas. Chegando ao hospital, o médico da emergência foi categórico: ‘vamos interromper a gestação!’ Eu não aceitei. O ginecologista que me acompanhava no pré-natal me abandonou. Nunca me deu um telefonema sequer.
Por ter me negado a interromper a gestação do meu filho, fiquei internada por 60 dias para tentar levar a gestação o mais longe possível. Foi um período difícil: dois meses inteiros deitada. Sem levantar para nada.
Durante a internação tive uma infecção urinária e, como a bolsa estava rompida, meu filho foi atingido. Fizeram a cesariana com 24 ou 25 semanas, não lembro bem, mas o meu Daniel não resistiu. Se foi nos meus braços, em 14 de janeiro de 2009, sem dúvida, o pior dia da minha vida. Não me recuperei até hoje. Lembro dele, do seu chorinho… não quero esquecer de nenhum detalhe do seu rostinho. Ele será eternamente meu primogênito.
Sei que é triste dizer isso, mas eu enlouqueci. E não falo em linguagem figurada. Surtei mesmo. Perder um filho é perder um pedaço de si. É perder sonhos, perder o seu futuro. Pais deveriam partir antes dos seus filhos. É uma dor desumana. Tratei-me um ano com uma psiquiatra e uma psicóloga maravilhosas. Passei a me dedicar a um trabalho voluntário com moradores de rua e assim o tempo foi passando. Acabei me reerguendo.
Mas meu casamento foi para o brejo. Meu marido não permitiu que eu fosse ao sepultamento do meu filho porque eu estava muito debilitada, devido aos meses de internação. Hoje sei que ele fez isso para me proteger, mas na época eu o odiei com todas as minhas forças.
Nos distanciamos, brigávamos sem parar. A vida virou um inferno, até que em novembro de 2010 descobri que estava grávida novamente. Dessa vez a alegria foi mais contida, porque o medo já me acompanhava. Em dezembro tive um sangramento.
Durante uma ultrassonografia descobri que o embrião tinha parado de se desenvolver. Novamente meu mundo caiu. Curetagem, luto, dor, solidão. E o casamento? Acabou. Durou alguns meses e nada mais. Até que em janeiro de 2013 meu marido foi embora de casa.
Ficamos meses sem nos ver, até que em agosto do mesmo ano ele me procurou e pediu para tentarmos novamente porque queria ficar comigo. Três meses depois, em uma consulta de rotina com a ginecologista, já com 38 anos, ela me fez a seguinte pergunta: ‘Você ainda quer ter filhos? Se quiser, a hora é essa. Você tem que investigar a causa das suas perdas e isso pode demorar. Não dá mais para esperar’.
Expliquei a ela que o maior desejo do meu coração era ser mãe, mas que não teria dinheiro nenhum para os tratamentos. Ela me animou: ‘Você está dizendo que é caro, mas nem perguntou o preço?’ e me indicou um especialista. Eu e meu marido fizemos tantos exames que nem sei. Nessa, descobri que tenho trombofilia, além de termos uma incompatibilidade sanguínea. E durante o período da investigação, engravidei de novo, contrariando todas as expectativas médicas que acreditavam que dessa vez seria necessário fazer a inseminação.
A incompatibilidade foi resolvida com três injeções feitas com os glóbulos brancos dele. Já a trombofilia foi um pouco mais complicada. Tive que tomar uma injeção de anticoagulante todos os dias, durante toda gestação, sem poder falhar nenhum dia. E é bom lembrar que é um tratamento muito caro. Hoje sei que alguns planos já cobrem a medicação, mas quando eu fazia não era assim.
Graças a Deus, a gestação correu superbem. No dia em que completei 36 semanas, a bolsa rompeu. Foi um susto, pois o parto estava agendado para o dia oito de outubro de 2014. Minha Maria Alice chegou no dia 21 de setembro, trazendo luz, cor, amor e todos os melhores sentimentos que podem existir para a minha vida.
É tanto amor que chega a doer. Quando a enfermeira a trouxe para mim, eu e meu marido chorávamos e ríamos ao mesmo tempo. Eu expliquei que já estava esperando aquele bebê há mais de seis anos. Foi uma gestação muito demorada.
O importante quando a gente está tentando é não deixar de ter esperança. Depois da minha segunda perda, ainda saindo da sedação, olhei para minha mãe e disse: ‘Não vou desistir. Vou tentar enquanto eu tiver condições físicas’. Mas lembro que nessa época cada amiga que engravidava, cada chá de bebê a que eu ia, cada festinha infantil era uma tristeza. Eu até procurei me poupar e não ia à maioria desses eventos. Mandava o presente, um cartão e ponto. Precisamos, nesses momentos, ser um pouco egoístas e fazer o que tivermos vontade. O que for melhor para nós. Façam a parte de vocês, busquem tratamentos, médicos competentes e de confiança, depositem seus sonhos no altar do Senhor e esperem. O milagre virá de uma maneira ou de outra. Ou virá do seu ventre ou de um orfanato (opção que eu considerei e cheguei a começar a pesquisar).
Eu adoraria tentar outro bebê, mas tenho quase 43 anos e não posso mais me arriscar em uma gestação de risco, pois hoje tenho uma princesinha que depende de mim. Mas tenham certeza que, se ainda não tivesse realizado meu sonho, estaria tentando até agora”.
Verônica de Oliveira Souza da Fonseca, 42 anos, mãe da Maria Alice, de 2 anos