“Hoje sei que cada luto tem seu tempo. Aos 27 anos, conheci o Eloísio e nos casamos um ano e oito meses depois. Só que, quando a gente decidiu engravidar, tinha um probleminha: nossa casa ficava em Aracruz, município a 80 quilômetros de Vitória. E eu trabalhava na capital, então passava os dias de semana na casa dos meus pais.
Depois de um ano e meio de tentativas, fui ao ginecologista. De cara, ele me deu um remedinho para ovular e pediu os exames do meu marido. Quando chegaram os resultados, vimos que tinha espermatozoides lentos e em pouca quantidade, mas o médico disse que era um problema comum e nos encaminhou para um especialista. O Eloísio começou a tomar os remédios e as taxas subiram. Mas fiquei com uma impressão de que meu ginecologista era machista. Afinal, ele me deu um remédio para ovular antes de investigar meu marido. Quer dizer, na cabeça dele, o problema só podia ser da mulher. Meu marido já poderia ter começado o tratamento antes, se ele tivesse tido esse diagnóstico.
O tempo foi passando e cheguei aos 35 anos. A pressão para engravidar, por conta da idade, cresceu: falam que vai ficando difícil… Aí, meu médico acabou me encaminhando para uma clínica de reprodução humana. Logo na primeira consulta, eu passei por aquela histerossalpingografia, que me deu muito medo, mas acabou não doendo.
Eu tinha uns miomas, então passei por uma grande cirurgia para retirá-los e deixar o útero limpinho para a fertilização. Fizemos a primeira FIV e deu tudo certo: implantamos 4 embriões saudáveis de excelente qualidade. Mas não se fixaram.
O médico disse que era comum. Seguimos para a segunda fertilização. Mais uma vez, ótimos embriões que não fixaram no meu útero. Foi difícil, mas eu tinha certeza de que não ia desistir.
Fiz a terceira fertilização em janeiro de 2005. Eu lembro que peguei uma virose e fiquei de repouso. Tive muito medo de que isso atrapalhasse a implantação. Esperamos os 15 dias e mais uma vez o exame deu negativo. A essa altura eu já estava pensando em consultar profissionais em São Paulo, pesquisando tudo na internet. Marquei, então, a próxima consulta para o dia 6 de março daquele mesmo ano para traçar os próximos passos.
Na véspera, à noite, o Eloísio vinha pra Vitória para dormir aqui porque a consulta seria cedinho. Ele me ligou de lá falando que estava saindo. Mas ele nunca chegou. Recebi um telefonema da prima dele dizendo que tinha passado por um acidente na estrada e achava que era o carro dele. É muito difícil falar sobre esse luto até hoje. Fiquei em choque. Lembro da minha casa cheia de gente e eu falando: ‘era bom demais pra ser verdade. Porque eu era muito feliz’. E não me conformava de não ter engravidado dele.
Sofri muito. Fiquei um mês de cama e quase pirei. De um segundo para o outro ele tinha ido embora. Procurei um psiquiatra e já comecei e tomar remédio para não entrar em depressão. Perdi sete quilos. Um mês e meio depois voltei a trabalhar, o que foi muito bom para mim. Eu indico para todo mundo que passa por um período de luto: procure um auxílio profissional. Tem épocas na vida que a gente não aguenta. Muitas vezes você não quer mais chorar e falar com as pessoas que estão ao seu redor porque você não quer que elas sofram junto. O terapeuta era meu momento de chorar, desabafar…
E eu chorei três anos. Vivi esse luto com toda a intensidade. Fiquei com raiva de Deus. Fiquei com medo porque, na minha cabeça, Ele tinha feito uma crueldade. Minha vida perdeu o sentido. Nunca mais botei os pés na igreja. Depois de três anos, meu irmão teve neném e minha cunhada pediu para minha mãe levar meu sobrinho para a nossa igreja, quando ele fez 1 ano de idade. E eu fui fazer companhia.
A igreja tinha vários cursos ao fim de semana e eu escolhi um de finanças, que não era tão atrelado à religião. Naquele dia, eu cheguei um pouco atrasada e as cadeiras estavam arrumadas em uma roda. Só tinha um lugar vago e eu sentei ali. Mal sabia que estava sentando ao lado do meu (então) futuro marido. Começamos a nos encontrar na igreja, descobrimos conhecidos em comum… mas nessa época eu ainda não tinha tirado a aliança do dedo. Não tinha coragem de tirar o Eloísio da minha vida.
Aos poucos, passamos a sair, a tomar um sorvete aqui, dar uma volta ali… Aí, começamos a namorar, escondido porque eu não queria que ninguém soubesse. Eu tinha o sentimento de estar traindo o Eloísio, então não tinha vontade de casar. Mas o Aldo compreendeu meu luto e a vontade de ser mãe foi reacendendo em mim. Eu já estava com 43 anos a esta altura e conversei com ele sobre ter um filho. Então, parei a pílula. No meu íntimo eu tinha certeza de que não ia engravidar naturalmente.
Eu sou jornalista e, um certo dia, um médico especialista em reprodução veio ao estúdio, para uma entrevista. Ele reforçou tudo o que eu sabia: que aos 45 anos as chances de engravidar são de 1% e que a tendência era piorar. Isso mexeu muito comigo. Eu pensei: eu não posso me arrepender de não ter tentado. Se desse errado, o importante era eu saber que tinha tentado tudo o que podia. Marquei uma consulta na clínica desse médico. A essa altura, eu estava para fazer 44 anos. Ele me indicou recorrer à doação de óvulos porque os meus não teriam qualidade e me desanimou.
Cheguei em casa arrasada. Meu mundo tinha caído. Por coincidência, no sábado seguinte, a entrevistada do programa era a minha ginecologista. Contei que estava mal e ela me falou: ‘você não vai desistir desse sonho’. E me pediu vários exames. Aí mandou os resultados para o especialista e ele falou que estava muito bom para alguém da minha idade. Aí fui fazer a fertilização. Peguei os remédios e levei para a geladeira porque tinha que esperar menstruar para começar o tratamento. Minha menstruação atrasou e até achei que estava com dengue porque estava muito cansada.
Pedi pra minha mãe comprar um exame de farmácia. Fiz o xixi no potinho e fui tomar um café para me distrair. Quando olhei e vi os dois risquinhos, falei: ‘exame de farmácia não dá certo’. Liguei pra minha médica e ela disse: ’99,9% desses exames são de alta confiança. Você está grávida’. Foi tanta emoção junta, eu chorava, eu ria…
Como eu não tinha tido sucesso nas fertilizações, meus médicos me receitaram uma injeção na barriga para prevenir qualquer possibilidade de aborto. Mas de resto, tive uma gravidez maravilhosa e trabalhei até quase os 9 meses. Detalhe: casei aos 6 meses de gestação. Foi lindo!
Tive meu bebê aos 45 anos de idade: ele é meu milagre. Todos os dias eu olho pra ele e ainda não acredito que ele é meu. Até hoje é difícil acreditar que essa coisinha linda saudável, feliz, é minha. Nem sei porque demorei tanto tempo para contar minha história.
Na véspera do dia das mães, eu publiquei essa história no meu Facebook e tive um retorno enorme. As pessoas me procuram para dizer que recuperaram a fé em Deus, que estão superando seu luto. Lembro que quando perdi meu primeiro marido, eu sentia necessidade de conhecer quem tinha passado pelos mesmos problemas. Porque é bom ver alguém que passou pelo problema, superou e venceu. Hoje, eu fico feliz de dar esperança para as mulheres que perderam alguém ou que estão tentando engravidar”.
Sandra Freitas, 50 anos, mãe do Henrique, 5 anos
*Veja aqui o vídeo inspirador que a Sandra gravou em sua página no Facebook.
Silvana Chedid 7 de junho de 2017
Prezada Priscilla, boa tarde
Li sua matéria na Marie Claire e fiquei muito sensibilizada com a sua história. Como mulher e como médica sei bem o sofrimento da sua trajetória e torço para que consiga realizar todos os seus sonhos. Se precisar de alguma coisa conte comigo. Um grande abraço, Dra Silvana Chedid
Pri Portugal 7 de junho de 2017
Muito obrigada, dra. Silvana, vou lhe enviar um e-mail para uma entrevista. Beijinho
alice 10 de junho de 2017
Deus nos surpreende, vc é a prova de nunca desistirmos de nossos sonhos, pois o milagre tão esperado pode estar mais próximo do que esperamos . Parabéns pelo depoimento, com certeza promove a esperança. Felicidades à vcs!!!
Angela 17 de julho de 2017
Silvana,
Terminei a leitura com lágrimas nos olhos.
Ascendeu em mim novamente a vontade de ser mãe.