“Desde criança quis ser pai. Muito antes de saber que não poderia ter um filho biológico. Carreguei o Samuel no peito por 9 meses e hoje me vejo nos olhos dele”

Eu costumo dizer que tive uma gestação de alto risco, e que aprendi na marra a ter coragem de enfrentar a possibilidade de não ser pai. Aprendi também que o conceito de maternidade não é uma coisa tão simples, até porque ele nem sempre requer ‘mãe’ para ter seu significado real. Nem sangue.

Desde criança eu sonhava em ser pai. Muito antes de saber que não poderia ter um filho biológico. Lógico, isso soa engraçado pelo fato de que na minha casa ninguém podia ter um filho na barriga. É que eu vivo com o Guilherme, há doze anos, em um casamento como qualquer outro. Aliás, muito mais feliz que vários outros que conhecemos.

Trabalhamos muito, conquistamos nosso patrimônio, nosso reconhecimento como boas pessoas e não gostamos muito de exposição da nossa vida pessoal. Mas, neste caso, decidimos contar porque tem gente que precisa saber que essas coisas podem dar certo para se sentir parte deste mundo louco.

Três anos atrás, demos um enorme passo na nossa história. O primeiro ponto atípico, mas não ilegal e nem tão incomum, era um casal de homens entrar em um processo de adoção. Só quem sabe da burocracia é que pode imaginar quanto papel nós gastamos e quanta coisa tivemos que provar: que vivíamos juntos, que nos dávamos bem, que não éramos loucos e que queríamos ter um filho para amá-lo, respeitá-lo e educá-lo. Só isso.

O detalhe é que vivemos em uma cidade de 20.000 habitantes, meio conservadora, e por aqui fomos os primeiros nestas condições. Acredite: ninguém nos questionou ou achou ‘diferente’ em nenhuma etapa do processo. Durante o curso obrigatório para adoção, já no primeiro encontro foi formado um grupo de apoio para futuros pais em formato de círculo. Nele, todos os participantes e seus cônjuges diziam o que os motivou a partir para a adoção.

A resposta era sempre a mesma: eu não posso engravidar. E vinha seguida de uma expressão de tristeza. Quando chegou nossa vez, eu levantei rápido e disse: Ah, a gente tá aqui porque o Guilherme não consegue engravidar! O riso tomou conta de todos, porque Guilherme tem 1,80 metro de altura e sem dúvida ficaria m-u-i-t-o estranho ‘grávido’.

Nunca vimos diferença entre um filho de sangue ou não. E hoje que sou pai eu posso afirmar com todas as letras: não há. Chato mesmo é quando as pessoas, sem fazer ideia, relacionam uma criança à aparência dos seus pais. Porque a gente nunca sabe se responde ou não, e no nosso caso fica um pouco mais difícil, já que a pergunta vem com um ‘nossa, mas ele é tão parecido com os dois’. Aham, é que misturamos um pouco de cada um e deu nisso!

Gente, uma criança não é uma experiência científica. Um filho não pode ser. As pessoas não nascem parecidas. As pessoas nascem com carinha de joelho, e ficam parecidas com o tempo. É a personalidade quem vai ditar o físico. Acreditem!

O segundo ponto peculiar é que o Samuel nos conheceu antes. Não se recomenda a pais adotivos conhecerem uma criança antes de estarem devidamente habilitados judicialmente, para não criar expectativas e para seguir rigorosamente a sequência dos trâmites. Mas o nosso caso foi diferente porque o conhecemos exatamente nove meses antes que chegasse. Foi uma aproximação feita pelo destino ou por Deus.

Quando descobrimos que os nossos caminhos estavam ligados, tentamos pedir a guarda dele, que já vivia em um abrigo. Mas a Justiça no Brasil é lenta, e não era possível furar a fila de pretendentes. Novamente a “mão superior” resolveu que ele seria nosso. Antes de chegar, ele passou por três famílias, ficando por uma ou duas semanas em cada.

A ligação da assistente social, acredito, teve o mesmo efeito de ter estourado a bolsa. Éramos dois andando em círculo, ajeitando a casa em velocidade máxima. O quartinho já estava arrumado, mesmo sabendo que ele poderia não ser nosso, porque todos os pais que sabem que sua gestação é de risco fazem o mesmo.

Ao buscarmos nosso filho, e ao olharmos bem no fundo dos seus olhinhos assustados, porém fortes, é que a gente teve a grande certeza de nossas vidas: ele sempre foi nosso, e agora ele nasceu. Mães, vocês não estão sós. Vocês já são mães de alguém no mundo. Carregar um filho não começa pela barriga, e eu entendo que essa seja uma dura verdade a muitas de vocês, que sonham com este momento.

O terceiro ponto peculiar da minha história é que é mais comum conhecermos mães que são também pais do que pais que são também mães. O meu filho ‘nasceu’ com um metro de altura e requer os mesmos cuidados que um bebê de cinco dias. Ele ‘nasceu com cinco anos e, dois anos depois, continua sendo o meu bebê. O carreguei no peito por nove meses, e tem coisas incríveis de mim nos olhos dele.

Agora, eu termino meu texto, porque a casa quando está em silêncio pode ser sinal de perigo. Menino é arteiro, e agora pouco assistia a TV, mas já foi lá fora dominar o mundo”.

 

Alberto Portugal, 30 anos, é pai do Samuel, de 6 anos. (Sim, é meu irmão e eu morro de orgulho disso!)


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