“Eu não quero assustar ninguém com a minha história, quero apenas dizer: se você desconfia de algo, vá atrás de um diagnóstico”

“Eu gostaria de compartilhar minha história com outras mulheres a fim de alertá-las sobre os riscos de não ter um diagnóstico e de ser negligenciada.

Tudo começou em 2019, quando eu estava tentando engravidar e não tinha nenhum diagnóstico. Procurei outra ginecologista e fiz mais vários exames, já que a minha médica não acreditava que eu pudesse ter algum problema de infertilidade. Na semana em que eu peguei esses exames, eu tive o meu positivo. Eu estava grávida! Foi uma gravidez natural e daí em diante eu viveria os dias mais felizes até descobrir a mais cruel face da vida.

Passei a fazer o pré-natal com a minha médica de sempre: ela me atendia desde os meus 12 anos. Todos os exames estavam bons, o percentil do meu bebezinho Lucas ficava entre 50 e 70. Mas eu estava inchada demais, sentia falta de ar e no fundo, lá no fundo, eu sabia que tinha algo de errado com a gente. Minha obstetra disse que era um medo comum que mãe de primeira viagem sente. Sugeriu pilates, yoga, meditação. Eu não fiz nada disso, mas fiz inúmeros exames, inclusive o NIPT, e o ultrassom com doppler todos os meses.

Nos exames não havia nenhum indício de problema, algo que pudesse me preocupar. Mas com 32 semanas, eu não fui ao laboratório de costume para fazer o exame de rotina, eu agendei com um especialista em restrição fetal. Não sei te explicar o porquê eu fiz isso, mas graças a Deus eu fiz.

Na consulta, após cerca de 1 hora de ultrassom e um silêncio ensurdecedor na sala, a médica me pediu o telefone da minha obstetra e sugeriu que eu fosse me alimentar, pois o bebê estava muito quietinho. Havia algo de errado, eu estava em pânico. Comi um lanchinho e voltei, a médica refez o ultrassom e quando começou a ditar os parâmetros para sua assistente digitar no sistema, eu vi abrir um buraco embaixo de mim e eu fui em queda livre. O percentil que antes estava em 67, agora era 4. O bebê não havia crescido no último mês.

Fui ao PS, onde refizeram o ultrassom e tentamos a internação, mas não tinha vaga. A frase ‘não tem vaga’ ecoava na minha mente, juntamente com a ideia de o meu bebê morrer, antes mesmo de nascer. Eu fui negligenciada ali. Fizeram cardiotoco e o exame não foi satisfatório, mas não tinha vaga.

 
Minha obstetra sugeriu que eu fosse pra casa, tomasse uma injeção de corticoide na farmácia, para fortalecer o pulmão do bebê, e tentasse a internação no outro dia, pois eu precisava de uma UTI neonatal. O bebê nasceria prematuro, isso era uma certeza, e não poderíamos arriscar. 

Fui para casa, tomei a injeção, não dormi por nenhum segundo. Eu não tinha feito a mala da maternidade, não tinha me preparado para ter o meu bebê antes da hora. Eu amava estar grávida, sentir ele se mexendo. Na manhã seguinte, eu seguia para uma maternidade quando a obstetra me ligou e sugeriu que eu fosse para outra, pois uma colega da equipe dela havia conseguido uma vaga pra mim lá. Eu confiava na minha médica e aceitei a recomendação.


Fui internada no dia 26 de maio. Naquele dia, o bebê estava muito ativo, nunca havia sentido ele tão agitado. Foi uma delícia. Ali eram feitos exames a cada 6 horas, para monitorar se a vida intrauterina era viável ainda. Mas no dia seguinte o Luquinhas não se mexeu absolutamente nada e o exame cardiotoco não tinha resultado satisfatório. Me deram soro, oxigênio e mudaram os exames. Disseram que aquilo me deixava nervosa, que era melhor fazer o exame com intervalos maiores. Minha pressão estava cada vez mais alta, mas não me deram remédio. A enfermeira disse que 15X10 ainda não era preocupante. 

No dia seguinte, o bebê não se mexeu nenhuma vez. Fizemos ultrassom e a médica explicou que ele havia centralizado, mas não teríamos um parto naquele dia. Eu chamei o médico e avisei que o bebê não se mexia, avisei à enfermeira. Parecia que ninguém me ouvia. À noite, era hora de fazer o cardiotoco. Mais uma vez, o exame não era satisfatório e repetiram 4 vezes. Quando vieram me dar soro e oxigênio novamente, eu recusei e avisei que não faria mais isso. Se o exame estava insatisfatório, por que não fazer um ultrassom? A Vanessa, médica plantonista, me disse: Cynthia, você sabe o que isso significa, não sabe? O bebê precisa nascer. Eu fiquei aflita, disse que não faria nada sem o consentimento da minha médica. A médica em que eu confiei a vida do meu filhinho. 

A Vanessa prontamente ligou para a minha médica, que me ligou e disse pra eu aceitar o parto. Assim foi feito. Meu filho nasceu minutos depois, era dia 29 de maio. Foi uma cesárea de emergência. Eu não o vi fora da incubadora, mas ouvi o chorinho dele. Não pude pegá-lo no colo, mas me disseram que ele estava bem. Estava respirando sozinho. Meu marido tirou duas fotos dele e me mostrou. Ele era lindo.

A minha placenta foi enviada para a biópsia, para entender o que tinha acontecido. Deste ponto da história, eu vou cortar para 4 dias depois. Meu bebê tinha 1,300 kg, contraiu uma infecção hospitalar e morreu. Essa é a maior e pior dor que eu já senti em toda a minha vida. Dizer que ele morreu é como me dar um soco na cara. E eu tenho certeza de que nunca mais serei a mesma pessoa depois de conhecer e tão rapidamente me despedir do Lucas.  

Mas o que eu quero contar é que 15 dias depois de enterrar o meu filho, eu saí da cama destinada a descobrir o que aconteceu. Eu desconfiava ter trombofilia. Não sei por que eu pensava isso, mas eu tinha isso na cabeça. Agendei a consulta com o dr. Ricardo e dessa vez eu fui. Sem ao menos olhar os meus exames, ele me disse: você tem trombofilia.


Naquela mesma semana, eu peguei o resultado da biópsia da placenta: 30% infartada e com focos de necrose. Eu fiz mais de 80 exames, eu tenho trombofilia. Se eu tivesse ido lá antes, eu saberia da minha doença. Meu filho estaria vivo. Se a ‘minha médica oficial’ tivesse me ouvido, eu teria feito exames para investigar o motivo de estar inchada e com falta de ar. Meu filho estaria vivo. Se no hospital não tivessem suspendido a frequência do exame cardiotoco, mas intensificado para identificar o motivo pelo qual o meu bebê não se mexia, meu filho estaria vivo.

Fomos negligenciados muitas vezes. E tudo isso porque os médicos não ouvem o que a gente fala, eles leem exames

Eu não quero assustar ninguém com a minha história, quero apenas dizer: se você desconfia de algo, vá atrás de um diagnóstico. Ninguém conhece o seu corpo melhor do que você. Não aceite ouvir ‘não tem vaga’. Não aceite ouvir ‘mãe de primeira viagem é ansiosa’. Não aceite ter as suas impressões negligenciadas.

Faz 8 meses que o meu filho Lucas morreu. Um pouco de mim morreu junto com ele. Mas eu ainda estou viva e deve haver um propósito para tudo isso. Talvez alertar outras pessoas seja uma razão para eu estar aqui”.

Cynthia Marafanti, 36 anos, mãe do Lucas


5 thoughts on ““Eu não quero assustar ninguém com a minha história, quero apenas dizer: se você desconfia de algo, vá atrás de um diagnóstico”

  1. Marcia Fernandes, Juazeiro do Norte-Ce Responder

    Cynthia, sei muito bem o q voce passou e ainda passa, dessa dor eu vivencie 4 vezes, apesar de ter perdido meus bebes com abortos repetitivos no inicio da gravidez, a gente ama o nosso bebe logo quando vemos o exame positivo, não é? Quero te dizer que nunca desisti do soinho de ser mãe, fui atras de diagnosticos , fiz mais de 100 exames de sangue especificos em abortos(fiquei feito uma leoa nos sites de pesquisas e cada exame que acha relacionado a abortos levava ate minha ginecologista e diza a ela que queria fazer), mas consegui . tive minha filha aos 43 anos, com diagnostico de trombofilia, celulas nk alteradas(fiz um tratamento para as celulas nk que descobri atraves do site do dr. Ricardo)e hj minha Maria Emanuele vai fazer 2 aninhos de muita saude e alegria.
    hoje 31/03/2022, faz 6 anos que perdi meu primeiro bebê, descobri no exame de ultra transnuencia 1º trimestre, a dra que tava realizando o exame olhou pra mim com uma cara de quem tava saindo de um filme de terror e falou bem alto e sem nenhum cuidado: ” seu bebê tá morto” essa frase nunca saiu da minha mente e a ferida no meu coração ainda tá aberta.
    Mas nunca pensei em desistir. Por isso te digo, vc nunca vai esquecer os bons e ruins momentos que vc viveu com seu Lucas, mas esse momentos vão te impulsionar pra não desistir .
    Receba meu abraço bem apertado. esse site da Priscila, tambem me ajudou a ver que não estava sozinha, me senti muitas vezes abraçadas por cada mãe que sofria como eu.

    1. Pri Portugal Responder

      <3 querida, muito amor pra vc e muita alegria de ver seu sonho realizado. Bjinho, Pri Portugal (criadora do site)

    2. Cynthia Fernandes Marafanti Responder

      Oh, Marcia!
      Muito obrigada por sua mensagem. Tenha certeza de que a sua história me inspira a superar essa dor tão cruel que é o luto por um filho.
      Sinta o meu abraço.

  2. Daniele Cristina Responder

    Nossa como seu depoimento fortalece o que penso. Os médicos não escutam nossa fala, só leem os exames. Exatamente. Tive três perdas gestacionais e eles ainda continuam tapando os ouvidos pra minha explicação. Somos diferentes, temos particularidades, porque será eles não se dão conta disso. Isso me trás um revolta imensa. A gente também se conhece, se observa. Meu Deus porque é tão complicado assim o médico parar com o cientifico um milésimo de segundo e olhar pra mim??!!

    1. Pri Portugal Responder

      Super te entendo, Dani. Sinta meu abraço. Bjinho, Pri Portugal (criadora do site)

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